2009 – 01 – A máquina do tempo, por Marcello Cals

é bem verdade que até hoje compus bem poucas canções, e destas, menos ainda foram colocadas à prova de ouvinte outro que não eu mesmo. mas todas elas nasceram de um sentimento meu, muito particular, estimulado naturalmente. compor segundo temas propostos por outros, criando a necessidade de buscar dentro de algo que desconheço um significado próprio que possa ser exprimido de forma musical é algo muito instigante, e cá estou. por ser novidade, criei do nada também uma metodologia que, apesar de ser afim com o meu método de criação, só o tempo dirá se irá ser bem sucedida ou não.

com o prazo de 2 semanas, me dei a primeira para assentar o assunto na cabeça, sem pressão ou perspectiva alguma de criação, deixando a outra para composição em si.

não sou do tipo que compõe de improviso. acontece, mas não como um padrão. me angustia ter que pegar um instrumento qualquer e tocá-lo, pior ainda se com outras pessoas, de forma a criar uma fagulha ou, pior, um produto completo. prefiro inventar uma meta abstrata qualquer e a partir dela ir trilhando um caminho, que me levará certeiramente ao objetivo inicial ou a um totalmente diferente. mas preciso ter alguns parâmetros iniciais. apesar de saber me virar basicamente em alguns instrumentos, raramente os uso para compor. melodias quase que exclusivamente são criadas de forma isolada, na minha cabeça, cantaroladas à capela, e a harmonia é conseqüência disto, nunca ao contrário. nunca sei a tonalidade da melodia inventada, canto como me é mais confortável e descubro o tom somente após – caminho que causa estranheza a vários amigos compositores, que disseram usualmente fazer justo da forma inversa.

o tema me passou uma coisa sonhadora do tipo boa, até porque eu acho que as pessoas em geral levam tudo muito a sério demais e perdem uma série de oportunidades de ver as coisas de um lado bem mais lúdico. isso me fez querer que a canção fosse bem leve, com a inocência do tipo do sujeito que pensa assim. a “estorinha” que criei inicialmente era de um sujeito que viajasse no tempo apenas com suas lembranças. mas, com o desenvolver dela, caiu por terra, aproveitando da idéia apenas um trecho. em dado momento cogitei que o sujeito, de tão lúdico, no final estivesse preso por assassinato passional e ainda vendo a coisa de uma maneira bela. mas achei meio tenso demais pro tempo que tinha pra desenvolver.

um macete que eu uso quando quero criar uma melodia e tenho um tema – o que era o caso – é o de balbuciar alguma(s) palavra(s) de forma que o ritmo dela(s) acabe influenciando na forma da melodia. com a cabeça ainda na primeira “estorinha”, saiu o que veio a ser as estrofes da rua e a da chuva, definindo a melodia, usando uma referência bem preliminar em “the course of being in love” do sondre lerche pra ter da onde partir. a “estorinha” da letra então se modificou para ser “o relato de um dia lúdico”, desde o amanhecer até o anoitecer, mas depois achei sem necessidade e preferi criar vários fatos isolados. algo que gosto é de dar algum desfecho pra canção, mas tem que ter cuidado pra não ser piegas, espero que não tenha sido. em algum momento ao longo do desenvolvimento das estrofes fiquei tentado a criar uma melodia e uma letra para refrão. mas logo vi que iria deixar a música grande demais, e provavelmente com a tal da mensagem piegas como letra deste trecho, o que, sendo refrão, faria dele mais piegas ainda. desisti completamente, e tentei resolver as partes com o arranjo, para apesar de serem 3 iguais, não causarem monotonia.

deu no que deu.

A máquina do tempo

se saio bem cedo em receio que assim evite de atrasar,
congelo em transe de hipnose, ao que se move o sol, partindo em despertar.
e pede ao vento, sem perda de tempo, que à poeira ceda a dança:
e se balança em roda, e canta seu “vum vum vum” saudando tudo o que passar.

se um gato e um novelo se atracam numa batalha milenar,
cancelo os planos de domingo, fico assistindo pra ver que bicho que vai dar.
e se o olfato sentir que de fato a chuva vem para brincar com os seus jatos,
quase me mato de tanto rir do pique-pega que ela faz

se passo na rua que é sua e há tanto não freqüento mais,
em um segundo estamos juntos, pois vejo o mundo de dezesseis anos atrás.
se pego flores, as deixo ao acaso em tua porta,
sem saber porque que faço de qualquer caso essa aventura juvenil de quero mais

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.